Recebi este texto através de um e-mail, que atribui sua autoria ao Ugo Braga, do Correio Braziliense. Como esta nossa grande Internet, ao mesmo tempo que é fantástica é muito perigosa, espero não estar atribuindo a autoria a autor equivocado.
De qualquer, maneira achei fantástica a amarração de que o autor se utiliza para tecer sua critica.
Senso+Crítico
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( Ugo Braga, em ' O Correio Braziliense' )
Mesmo nos permissivos dias atuais, há uma diferença fundamental e transcendente quanto aos xingamentos. Não sei se me faço entender assim, numa frase, mas já explico. Chamar o cidadão de canalha, por exemplo, já foi motivo de ranços históricos, causadores de desavenças familiares dignas de Romeu e Julieta. Hoje, não. A depender da entonação, a abjeta palavra passa até por cordial cumprimento.
Dos xingamentos mais populares, digamos assim, apenas o brado de “mau caráter” ainda dissipa um instantâneo silêncio. Num átimo, joga o desaforado na mais profunda vala da solidão. Ao contrário dos pulhas e canalhas em geral, o mau caráter é um solitário nato e irresistível, incapaz sequer de se defender da acusação, governante de um reino secreto de culpa e arrependimento.
Tais abstrações me tomaram de assalto ao ler no noticiário a respeito do asilo que concedemos ao cidadão italiano Cesare Battisti, hoje com 53 anos. Adepto de uma ideologia inexplicável, embora se declare comunista, ele participou de ações terroristas, nas quais morreram pessoas inocentes na década de 1970 em seu país, uma então próspera democracia da Europa ocidental.
Acusado, processado e condenado à prisão perpétua, fugiu pelo mundo até bater por aqui, ser preso pela Polícia Federal, a pedido de Interpol, em 2007, e desde então estar encarcerado no presídio da Papuda. Informada, a Itália pediu a extradição.
DeportaçãoA Procuradoria-Geral da República manifestou-se favorável à deportação. O Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) negou pedido de asilo político feito pelo camarada Battisti. Os trâmites legais e burocráticos apontavam todos para o despacho do homem à cadeia que o espera desde 1993 do outro lado do Atlântico. Até que o ministro da Justiça, Tarso Genro, resolve entrar na parada.
Usa a caneta lhe entregue pelo governo, assina um despacho e, em nome do Estado, acolhe o sujeito a salvo de sua pena, dentro do nosso território, como asilado.
Foi do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, a remissão à solidão de Tarso Genro pela concessão do asilo. “Um ato isolado”, na descrição do magistrado. Que, de pronto, me trouxe à memória uma crônica antológica de Nelson Rodrigues, chamada “Os falsos canalhas”. É desse texto, embora não com as mesmas palavras, o roteiro psicológico do velhaco, traçado há pouco.
E, confessado o ligeiro plágio, sigo em frente.
O ministro da Justiça, ao que se saiba, não é um mau caráter. Ama-se com uma intensidade Exagerada, é o que se diz, mas daí a vilezas mais graves há um abismo. E, numa espécie de Engenharia reversa, concluo que, em não sendo ele o solitário espertalhão que se serve do Estado para benefício próprio, só pode ter agido em nome do governo, como política de governo e com anuência prévia e apoio do chefe do governo — que, aliás, já veio a público defendê-lo.
Mais do que a discussão pouco prática do caso em si, abre-se a partir dele uma pequena brecha para espiarmos a natureza do grupo que nos governa desde 2003. Infelizmente, não é agradável a figura que se deixa entrever.
BoxeadoresSim, esse mesmo pessoal trabalhou freneticamente para mandar de volta a Cuba os boxeadores que ousaram fugir do arbítrio, do autoritarismo, da censura e da chantagem do regime castrista na ocasião dos jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro, em 2007.
O asilo a Cesare Battisti, pois, é o capítulo seguinte e coerente do que poderíamos chamar de política de cumplicidade. Nela, o militante das ideias esquerdistas está sempre amparado, independentemente de respeitar os direitos alheios, ainda que seja o mais precioso de todos, o direito à vida.
Battisti reflete individualmente a velha, enrugada e condenável crença de que os fins justificam os meios. A mesma da qual, do ponto de vista institucional, compartilha o governo de Cuba. E que, secreta e solitariamente, permeia os corações e mentes de muitos dos integrantes do PT e do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Pelo menos é o que se pode concluir dos dois recentes e infelizes episódios diplomáticos. Num, o cidadão em busca de liberdade foi entregue ao sistema autoritário. No outro, o sistema democrático foi impedido de punir o cidadão que renunciou à liberdade como meio de luta pelo poder.
Eis aí atos de grande, absurda e inquestionável eloquência.
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